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O povo está lançado à própria sorte, sem ninguém por ele. |
AO
DEUS-DARÁ
Por Roberto Pompeu de
Toledo, articulista de Veja.
A entrevista do empresário
Jorge Gerdau aos repórteres Fernando Rodrigues e Armando Pereira Filho, postada
no portal UOL no último dia 15, foi das mais contundentes – e mais reveladoras
– sobre o modo de governar que ultimamente se impôs no Brasil.
Gerdau faz trabalho
voluntário no governo Dilma. Preside a Câmara de Políticas de Gestão,
Desempenho e Competitividade, criada, por sugestão dele próprio, para ajudar na
racionalização e na eficácia da administração, e fala, portanto, do ponto de
vista de quem conhece a matéria pelo lado de dentro.
Três foram os trechos mais
significativos da entrevista:
Pergunta
–
O sr. diria que a política atrapalha a gestão?
Resposta,
depois de longa pausa – Dentro da estrutura brasileira, o
conceito de política atrapalha bastante a gestão…
O que chama atenção nesse
primeiro ponto é a sugestão da existência de um “conceito de política” peculiar
ao Brasil. Gerdau não explica que conceito é esse. Fica nas reticências, o que
nos deixa diante de uma não declaração. Eis no entanto uma não declaração cheia
de sentido. O conceito de política que passou a imperar no Brasil, em primeiro
lugar, nega a política.
Quer dizer: nega o embate
de ideias e de programas. Em segundo lugar, nega as políticas. Não o regem os
modelos desta ou daquela política educacional, desta ou daquela política de
transporte. Sobra, como sabemos, que o “conceito de política” em vigor no país
gira (em falso) em torno de eixos como a liberação de emendas parlamentares, a
distribuição de cargos na administração, a constituição de um ministério amplo
o bastante para abrigar uma enxurrada de partidos e a acumulação de minutos de
TV nas campanhas eleitorais.
O “conceito de política”
assim estruturado (ou desestruturado) é a mãe de todos os problemas que se
interpõem à racionalidade e à eficácia da administração.
Pergunta
–
O número de partidos vai aumentar. Vamos acabar tendo cada vez mais
ministérios?
Resposta
-
Tudo tem o seu limite. Quando a burrice, ou a loucura, ou a irresponsabilidade
vai muito longe, sai um saneamento. Nós provavelmente estamos no limite desse
período.
Gerdau, aqui, mostra-se
paradoxalmente desesperado e esperançoso. O desespero leva-o a chamar de
“burrice”, “loucura” e “irresponsabilidade” o ato reflexo de ir criando
ministérios à medida que os partidos aderem ao governo, ou mesmo são criados
para tal. A esperança o faz vislumbrar que estamos chegando ao limite dessa
prática. Bondade dele, ou talvez concessão de quem, afinal, faz parte do
governo.
Vem aí o Ministério da
Micro e Pequena Empresa, para o mais novo adesista, o PSD do ex- prefeito
Kassab. Dias atrás houve mudança em quatro ministérios – os da Agricultura, da
Aviação Civil, do Trabalho e dos Assuntos Estratégicos. Novos titulares foram
anunciados para os três primeiros, ficando para ser ainda nomeado o titular do
quarto.
Sobre os ministérios da
Aviação Civil e dos Assuntos Estratégicos, de origem recente, um estrangeiro
que desconhecesse as manhas locais perguntaria, antes de qualquer especulação
quanto aos novos titulares, por que diabos foram criados. Se existe um
Ministério dos Transportes, por que um da Aviação Civil? E, se estratégia é
algo que deve alimentar cada ministério, por que reuni-la num só?
Não valem a pena tantas
perguntas, porém. Houve época em que “reforma ministerial” era coisa séria.
Implicava inflexões nos rumos dos governos. Não mais. Esta última, como as
anteriores, desgasta a ideia de “reforma” e contribui para desmoralizar o
próprio conceito de “”ministério”.
Pergunta
–
A presidente teria poder para reduzir o número de ministérios?
Resposta
-
Com o número de partidos crescendo cada vez mais, é quase impossível. O que a
presidenta faz? Trabalha com meia dúzia de ministérios realmente chave. O resto
é um processo que anda com delegações de menor peso.
Gerdau, nos três trechos
destacados, foi do mais geral ao mais particular. Neste ponto, chegou ao modo
de operar da presidente, e a conclusão é dramática. Uma ampla porção do governo
– 33, dos 39 ministérios – funcionaria de modo mais ou menos autônomo, sem
sofrer a ação direta – e talvez sem atrair o interesse – da presidente.
Fecha-se o círculo. Da mãe
de todos os problemas, que é o peculiar “conceito de política” brasileiro,
chega-se à necessária consequência de um substancial espaço da administração
ser abandonado ao deus-dará.
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