Como
o Black Bloc matou as manifestações
Com
desrespeito às instituições, intolerância e práticas violentas, mascarados
expulsaram o cidadão comum dos protestos. Agora, tentam justificar a morte de
um cinegrafista citando “outras mortes da PM”. Agem, assim, como quem tolera a
ação de justiceiros
Em um vídeo de apoio às
manifestações, publicado em outubro do ano passado, a atriz Camila Pitanga
lançava a pergunta: “Vai precisar ter morte? Porrada já está rolando”,
alertava, seguida de uma sequência de depoimento de famosos.
O testemunho de Camila, assim como todas as críticas “à violência” nas manifestações, tratava a truculência como uma exclusividade das forças policiais, e culpava “a mídia” por acobertar esses abusos. Brasil afora, houve e há excessos da PM em situações muito além dos protestos – e é “a mídia” quem os apresenta.
A morte pela qual ansiavam os mascarados veio na última quinta-feira, e, mais uma vez, graças às câmeras de fotógrafos e cinegrafistas “da mídia”, soube-se que os assassinos eram mascarados – um desastre para quem torcia por um assassinato com assinatura da polícia.
O testemunho de Camila, assim como todas as críticas “à violência” nas manifestações, tratava a truculência como uma exclusividade das forças policiais, e culpava “a mídia” por acobertar esses abusos. Brasil afora, houve e há excessos da PM em situações muito além dos protestos – e é “a mídia” quem os apresenta.
A morte pela qual ansiavam os mascarados veio na última quinta-feira, e, mais uma vez, graças às câmeras de fotógrafos e cinegrafistas “da mídia”, soube-se que os assassinos eram mascarados – um desastre para quem torcia por um assassinato com assinatura da polícia.
A página do grupo Black
Bloc no Facebook foi invadida por uma onda comentários chamando os mascarados
de “assassinos”. Os administradores e apoiadores da “tática” rejeitam o rótulo,
ignoram o fato de Andrade ter sido morto por dois dos seus e chamam os críticos
de alienados. Dizem que são gente que “não quer mudar” e que não enxerga “a
luta por mudança”. Na tarde desta terça-feira, Elisa Quadros, a agora famosa
“Sininho”, foi hostilizada por passageiros de um ônibus. O motorista do
coletivo recusou-se a parar para que a cineasta embarcasse.
Os radicais mascarados
repetem, assim, a cegueira e o desprezo pela divergência de opiniões que levam
à rua e às redes sociais desde junho. O Black Bloc apropriou-se de tal forma dos
atos públicos que afastou das manifestações o cidadão comum, verdadeira força
de um movimento popular. Atraiu uma antipatia que prejudica, hoje, as causas
merecedoras da indignação dos cidadãos – entre elas, obviamente, a má qualidade
dos transportes, da saúde, da polícia e da política. Do "milhão", as
passeatas recuaram para os milhares e, finalmente, as centenas, como nas
últimas duas ocasiões.
Em junho, o país conheceu,
quase simultaneamente aos black blocs, a "mídia ninja", um grupo que,
com uso de celulares, câmeras e computadores, transmitia em tempo real os
protestos, os confrontos e o que quisessem – mas só o que quisessem. Ninja é
sigla de “narrativas independentes, jornalismo e ação”. Ironicamente, não havia
narrativa: o que se via era uma transmissão direcionada, com uma locução que,
independentemente do que era mostrado, reafirmava bordões do radicalismo e
culpava a polícia por todo tumulto. Não importa se um policial ardia nas chamas
de um coquetel molotov. O culpado era um PM, um infiltrado.
Os black blocs receberam
apoio de instituições. Na mais grotesca manifestação de apoio, o Sindicato
Estadual dos Profissionais de Educação do Rio (Sepe), em meio a uma greve
altamente contaminada por interesses políticos, adotou os mascarados como sua força
de defesa "contra o abuso policial". O mesmo sindicato considerou
"pacífica" uma manifestação que teve um baleado e 190 detidos. O
deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL), que tem em seu gabinete um assessor
que comanda uma ONG que se dedica a prestar assistência jurídica a
manifestantes detidos - e não importa o que tenham feito, de vandalismo a
ataques ao patrimônio público e privado - está agora às voltas para explicar
sua relação com os mascarados. Ele próprio já reconheceu: as manifestações estão
"fora de controle".
Antes de Santiago Andrade,
a tal narrativa – que, caso fosse realmente nova e interessante, poderia
envolver a população – foi assassinada pelos black blocs. O roteiro dos
protestos passou a ser o mesmo, sempre: um movimento chamado de “pacífico” que,
em um determinado momento, abria fileiras para um bando de mascarados armados
com bombas, coquetéis molotov, pedras e paus. Vinham, é óbvio, as bombas de
efeito moral da PM, e tinha-se a imagem de guerrilha urbana. Em segundos,
ninguém se lembrava mais da causa do protesto, e o que se tinha é a mesma
“narrativa”: pancadaria, vidros quebrados, lojas saqueadas e clara intenção
golpista.
“Não vai ter copa”, “Fora
Cabral”, “PM assassina”, “Cadê Amarildo?”. Em cada uma das causas há,
indiscutivelmente, razões reais para a indignação. Os projetos olímpicos são
caros e precisam de fiscalização. O governador Sérgio Cabral bateu recorde de
impopularidade e, no meio dos protestos, VEJA revelou seu hábito de se deslocar
a lazer nas aeronaves do governo do Estado. A PM de fato precisa se aprimorar e
expurgar os maus policiais e os vícios de corrupção. O pedreiro Amarildo de
Souza foi vítima de uma série de práticas abjetas da PM, numa favela ocupada
pela ‘nova polícia’ do secretário José Mariano Beltrame, na era das Unidades de
Polícia Pacificadora (UPPs).
Nenhum dos caminhos dos
protestos, no entanto, escolheu uma rota que passe pelas instituições
competentes, pelos instrumentos do jogo democrático. Os mascarados querem
suspender a Copa "no grito". Querem depor Sérgio Cabral, num golpe.
Consideram que todo homem fardado deve levar bomba. Uma delas acertou Santiago
Andrade.
É possível – e provável –
que o morteiro não tivesse o cinegrafista como alvo. Mas outros cinegrafistas,
fotógrafos e repórteres foram hostilizados em muitos momentos ao longo das
manifestações. Equipes de VEJA foram xingadas e sofreram intimidação; e, na
segunda-feira, pouco depois de ser diagnosticada a morte cerebral de Andrade,
uma equipe da TV Globo foi hostilizada em uma manifestação no Centro.
Não há, em nenhuma página,
discurso ou mesmo na “nota de condolências” da página “Black Bloc RJ”, uma
referência ao que matou o cinegrafista. Para os mascarados, parece ter sido
obra do destino. Eles – e, por incrível que pareça, também o Sindicato dos
Jornalistas Profissionais do Rio – falam da tragédia como um erro “das empresas
de comunicação”, ou culpam o Estado. Também rebatem a revolta de quem viu
Andrade ser atingido pelo morteiro, indo ao chão desacordado, com uma lembrança
de “tudo que a PM já fez”.
Nesta forma de justificar
o injustificável está oculto mais um perigo do que pretendem os mascarados.
Quando lembram “outras mortes” para atenuar o que fizeram com Santiago Andrade,
os black blocs agem como quem tolerou a ação de justiceiros e a cena de um
garoto de 15 anos amarrado pelo pescoço a um poste, com uma tranca de bicicleta
– preso porque “é bandido”.
Fonte: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/como-o-black-bloc-matou-as-manifestacoes
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