Antonio
Gramsci e a teoria do bode
Olavo de Carvalho
IEE, Edição Nº31 - 29 de
Outubro de 2002
Num debate de que
participei na Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, estava eu
a expor a estratégia gramsciana da ocupação de espaços e da fabricação de
consensos, quando meu oponente, desejando enaltecer a figura do ideólogo
italiano que minhas palavras pareciam depreciar, alegou ser ele hoje em dia o
autor mais citado em trabalhos universitários no Brasil e no mundo.
A plateia não resistiu:
explodiu numa gargalhada. Nunca uma pretensa refutação confirmara tão
literalmente as afirmações refutadas.
Mas a alegação em favor de
Gramsci é correta. Se há um consenso imperante nos meios acadêmicos ao menos
brasileiros, é aquele que faz do fundador do Partido Comunista Italiano o mais
importante dos pensadores, mais importante, sob certos aspectos, do que o
próprio Karl Marx.
Esse consenso produziu-se
aliás pelos mesmos meios preconizados por Gramsci para a imposição de qualquer
outra ideia: primeiro os adeptos da ideia "ocupam os espaços",
apropriando-se de todos os meios de divulgação; depois conversam entre si e
dizem que as conclusões da conversa expressam o consenso universal.
A coisa, dita assim,
parece um estelionato grosseiro. Ela é de fato um estelionato -- e na invenção
desse estelionato consiste toda a pretensa genialidade de Antonio Gramsci --,
mas não é nada grosseira: a fabricação do simulacro de debate chega ao requinte
de forjar previamente toda uma galeria das oposições admitidas, que são
precisamente aquelas cujo confronto levará fatalmente à conclusão desejada. As
demais são excluídas como aberrantes, criminosas, sectárias ou não
representativas. Não é preciso dizer que, no debate letrado nacional, eu em
pessoa pertenço a essas quatro classes, ora de maneira simultânea, ora
alternada, conforme as necessidades do momento, o que já levou mais de um
gramsciano a me condenar, ao mesmo tempo, como um esquisitão isolado e como
porta-voz dos donos da mídia...
Que essa cínica engenharia
de dirigismo mental passe hoje por sinônimo de "democracia", é algo
que a perfídia consciente só explica em parte. Na cabeça dos gramscianos,
acontece também um fenômeno muito estranho, que exemplifica a famosa
"teoria do bode". Você está com problemas, põe um bode dentro de casa
e logo os seus problemas desaparecem, obscurecidos pela presença de um bicho
que come todas as suas roupas, os seus móveis, o seu dinheiro e os seus
documentos. Então você manda o bode embora e fica sem bode e sem problemas.
Esses comunistas passaram, no século vinte, as piores humilhações. Cada partido
que formavam virava imediatamente uma máquina de controle repressivo interno,
mais sufocante que a Inquisição. Se fossem perseguidos pela direita, isso lhes
infundiria orgulho e autoconfiança. Oprimidos por seus próprios líderes, como é
que ficava sua autoimagem? Ninguém no mundo matou mais comunistas do que Lênin,
Stálin e Mao Tsé-tung. Eles superaram, nisso, todas as ditaduras de direita
somadas. Isso dá um complexo danado, não dá? Bem, comparada aos horrores
físicos do "socialismo real", a opressão meramente psicológica parece
um alívio. De bom grado qualquer um de nós, entre o pelotão de fuzilamento e a
manipulação gramsciana, escolheria esta última e até a celebraria como uma
forma de "liberdade".
Tratados como cães por
seus próprios mentores e chefes, os comunistas e socialistas, quando entram na
atmosfera gramsciana, estão como um cachorro que foi tirado da carrocinha e
amarrado à coleira do dono. Sua nova sujeição é o máximo de liberdade que ele
pode conceber. É a vida sem bode.
O problema é que esses
indivíduos de mentalidade escrava, sendo ao mesmo tempo, no seu próprio
entender, o ápice da inteligência humana, não podem conceber que outras pessoas
tenham experimentado doses de liberdade bem maiores. Libertos de Stalin e Mao,
acham sua nova escravidão linda e confortável, e acreditam piamente que o
restante da humanidade não aspira a outra coisa senão a dobrar servilmente a
espinha às exigências do "consenso" gramsciano. Daí o orgulho, a
alegria e o sentimento de sincera generosidade com que eles nos oferecem esse
lixo, seguros de que é a coisa mais preciosa do mundo.
Alguns de nós são tolos o
bastante para aceitar por mera educação a oferta desprezível, e acabam presos
nas malhas do "consenso". Da minha parte, não quero saber de nada
disso. Que vão oferecer a outro sua miserável liberdade de escravos
satisfeitos.
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