A
polícia, o bem e o mal
Autor: J.R. Guzzo em Artigos, Estado de Direito 02/04/2014
Pode ser uma coisa que
muita gente acha desagradável ouvir, e por isso é melhor dizer logo, para não
gastar o tempo do leitor com prosa sem recheio. E o seguinte: os brasileiros
fariam um grande favor a si mesmos se tomassem a decisão de ficar, com o máximo
de clareza e na frente de todo mundo, a favor da polícia. Isso mesmo: a favor
da polícia, e da ideia de que cabe exclusivamente a ela, numa democracia que
queira continuar viva, o direito de usar a força bruta para manter a ordem,
cumprir a lei e proteger o cidadão. Tem, também, a obrigação legal de fazer
tudo isso. Algum problema? É exatamente assim em todos os regimes democráticos.
Eis aí, na verdade, uma afirmação evidente em si mesma; pode ser entendida sem
a menor dificuldade após um minuto de reflexão. Mas estamos no Brasil, e no
Brasil o que parece ser um círculo, por exemplo, é muitas vezes considerado um
triângulo, ou um quadrado, ou qualquer outra coisa que não seja o diabo do
círculo.
No momento, justamente,
passamos por um desses surtos de tumulto mental. Segundo o entendimento de boa
parte daquilo que se considera o “Brasil pensante”, “civilizado” ou “moderno”,
nosso grande problema não é o crime, mas a polícia. Parece bem esquisito pensar
uma coisa dessas, num país com mais de 50 000 assassinatos por ano e índices de
criminalidade que estão entre os piores do mundo. Onde esses pensadores estão
vendo o problema de que tanto falam? Vai saber. Os verdadeiros mistérios desse
mundo não são as coisas invisíveis, e sim as que se podem ver muito bem. No
caso, o que se pode ver com a clareza do meio-dia é a fé automática de boas
almas e mentes num mandamento que ouvem desde crianças: o criminoso brasileiro
é sempre “vítima das desigualdades sociais”, e o policial está errado, por
princípio, quando usa a força contra ele. Seu dever, como agente do Estado,
seria tratar os bandidos como cidadãos que precisam de ajuda, para que tenham
oportunidade de entender por que não deveriam matar, roubar, estuprar e assim
por diante. Será que esse jeito de pensar é alguma tara que nos sobrou do
regime militar, quando polícia e liberdade eram coisas opostas? De novo: não se
sabe.
Praticamente todos os dias
há exemplos claros desse curto-circuito geral na capacidade de separar o certo
do errado. O cidadão é assaltado, brutalizado, ferido — e no dia seguinte lê,
ouve ou vê mais uma reportagem denunciando a polícia por algum erro, real ou
imaginário. Ainda há pouco, o país teve oportunidade de testemunhar políticos,
intelectuais e “celebridades” em geral, com a colaboração maciça da mídia,
colocando a polícia no banco dos réus por reprimir bandos de marginais que vão
para a rua decididos, treinados e equipados para destruir. Segundo essas
excelentes cabeças, a polícia cria um “clima de violência” e de “provocação”
que “força os ativistas” a se defenderem “previamente”. Para isso, veem-se
obrigados a incendiar bancas de jornal, destruir carros, quebrar vitrines de
loja e por aí afora. Esse tipo de julgamento vai se tornando mais e mais
aceitável no Brasil de hoje. Deve ser maior do que se pensa o número de pessoas
que não querem ter a tranquilidade de sua fé perturbada por fatos ou por
conhecimentos: além disso, cabeças em que não há ideias são sempre as mais
resistentes a deixar alguma ideia entrar nelas. Quanto à imprensa, rádio e TV,
acreditem: o que mais gostam de fazer é falar as mesmas coisas, pois se sentem
mais seguros quando um repete o outro e todos atiram nos mesmos alvos. Alguém
já viu, por exemplo, algum jornalista arrasando o técnico do Olaria?
Não há sete lados nesse
debate. Só há dois. Um que está a favor da lei e o outro que está contra — e aí
o cidadão precisa dizer qual dos dois ele realmente apoia. O primeiro é a
polícia. O segundo é o que leva o crime para a rua. A única pergunta relevante,
num país que tem uma Constituição em vigor, é: de que lado você está? Não vale
dizer “depende”, ou declarar-se a favor da ordem, desde que a tropa se comporte
com altos níveis de civilidade, seja muito bem-educada, fale inglês e não bata
nunca em ninguém, nem cause nenhum incômodo físico a quem esteja jogando
coquetéis molotov na sua cara, ou sacando armas contra ela. A questão real é
apoiar hoje a polícia brasileira que existe hoje — não dá para chamar a polícia
da Dinamarca, por exemplo, para substituir a nossa, ou tirar a PM da rua e só
chamá-la de volta daqui a alguns anos, quando estiver suficientemente treinada,
preparada e capacitada a ser infalível. É mais do que sabido que a polícia do
Brasil tem todos os vícios registrados no dicionário, de A a Z. Mas, da mesma
maneira como não é possível fechar todos os hospitais públicos que funcionam
mal, e só reabri-los quando forem uma maravilha, temos de conviver com a
realidade que está aí. É indispensável transformá-la, mas não dá para exigir,
já, uma corporação armada que precise ter virtudes superiores às nossas.
A polícia, por piores que
sejam as condutas individuais dos seus agentes e seus níveis de competência, é
uma peça essencial para manter a democracia no Brasil e impedir a tirania
daqueles que só admitem as próprias razões. É a polícia, na verdade, o que a
população brasileira tem hoje de mais concreto na garantia de seus direitos.
Alguém pode citar alguma força mais eficaz para impedir que o Congresso, o STF
e o próprio Palácio do Planalto sejam invadidos, metidos a saque e incendiados?
A PM está do lado do bem — goste-se ou não disso. No mundo das realidades, é
ela a principal defesa que o cidadão tem para proteger sua vida, sua
integridade física, sua propriedade, sua liberdade de ir e vir, o direito à
palavra e tudo o mais que a lei lhe assegura. A autoridade policial já erra o
suficiente quando falha ao cumprir quaisquer dessas tarefas. Não faz nexo
criticá-la nas ocasiões em que acerta.
Não serve a nenhum
propósito útil, igualmente, dar conforto ao inimigo — o que nossa elite
pensante, como dito anteriormente, faz o tempo todo. O inimigo não vai deixar de
ser seu inimigo; você não ganhará sua admiração, nem será deixado em paz. É um
desafio à lógica, neste sentido, achar que delinquentes teriam a licença de
armar-se para assegurar seu direito de “legítima defesa” contra a repressão
policial. A lei brasileira, com todas as letras, diz que só a polícia tem o
direito de portar armas, e de utilizá-las no combate ao crime e na defesa do
cidadão — salvo em casos excepcionais, que exigem licença específica. Dura lex
sed lex, claro. Mas não é só uma questão legal. Trata-se de simples sensatez.
No caso dos atos de protesto — qual o propósito de levar para a rua mochilas
com bombas incendiárias, estiletes, barras de ferro e outros artefatos
desenhados unicamente para machucar? Por que alguém precisaria de qualquer dessas
coisas para expressar suas opiniões em praça pública?
O Brasil vem se
acostumando nos últimos anos à ideia doente de que mostrar simpatia diante da
delinquência e hostilidade diante da polícia é uma questão de princípio — uma
atitude socialmente avançada e politicamente progressista. Quem não pensa assim
é visto como um homem das cavernas, extremista e inimigo da democracia. Mas é o
contrário: opor-se ao crime e apoiar a polícia é ficar a favor da liberdade.
Está na moda denunciar, com apoio da caixa de amplificação da imprensa, delitos
como a “pregação do ódio”, “apologia do crime” ou “incentivo ao racismo”. Esse
mesmo tribunal, entretanto, aplaude como uma forma superior de cultura popular
os rappers que pregam abertamente, em suas músicas, o assassinato de policiais.
Há alguma coisa muito errada nisso aí. Está na hora de deixar claro: é falso
acusar çle “histeria” e outros pecados mortais quem não acredita, simplesmente,
que no Brasil de hoje existe algum assaltante que rouba e mata porque está com fome
ou tem de sustentar sua família; o que há é gente que quer satisfazer todos os
seus desejos sem ter de trabalhar ou de respeitar o direito alheio. Em Cuba,
regime-modelo para nosso governo, são chamados de sociopatas e enterrados na
cadeia mais próxima, sem que a “sociedade” seja chamada a “debater” coisa
nenhuma.
Deus não precisou da ajuda
dos brasileiros para criar o Brasil. Mas, como diria Santo Agostinho, só poderá
nos salvar se tiver o nosso consentimento.
Fonte: Veja
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