domingo, 20 de janeiro de 2013

INVESTIGADORES GANHAM NA JUSTIÇA O DIREITO DE TER SEU PRÓPRIO SINDICATO





ACÓRDÃO - TRT 17ª Região - 00301.2009.001.17.00.3

0030100-24.2009.5.17.0001

RECURSO ORDINÁRIO

Recorrente:

Sindicato dos Servidores Policiais Civis - SINDIPOL

Recorrido:

SINPOL - Sindicato dos Investigadores de Polícia Civil do Estado do Espírito Santo

Origem:

1.ª VARA DO TRABALHO DE VITÓRIA - ES

Relator:

DESEMBARGADOR JOSÉ LUIZ SERAFINI

EMENTA

PRINCÍPIO DA UNIDADE SINDICAL. CATEGORIA ECLÉTICA. DESMEMBRAMENTO. REGISTRO NA AUTORIDADE COMPETENTE. O Princípio da Unicidade Sindical, previsto no inciso II, do art. 8º da Constituição Federal de 1988, determina que apenas um sindicato poderá representar cada categoria profissional ou econômica, em uma determinada base territorial. Entretanto, pode ocorrer o desmembramento, mormente nas categorias ecléticas, devendo o ato ser registrado no MTE para a perfeita criação do sindicato.

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de RECURSO ORDINÁRIO, sendo partes as acima citadas.

RELATÓRIO

Trata-se de recurso ordinário interposto pelo sindicato reclamante em face da r. sentença de fls. 971-976, oriunda da 1ª Vara do Trabalho de Vitória/ES, da lavra da eminente magistrada Lucy Lago, que julgou improcedentes os pleitos contidos na reclamação trabalhista.

Razões recursais do sindicato reclamante às fls. 979-986.

Comprovantes do recolhimento das custas e do depósito recursal às fls. 987-988.

Contrarrazões do sindicato reclamado às fls. 994-1016.

Desnecessária a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, a teor do artigo 24-A do Regimento Interno deste Tribunal.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

2.1 CONHECIMENTO

Conheço do recurso ordinário interposto, porque preenchidos os pressupostos de admissibilidade.

2.2 MÉRITO

2.2.1 DA UNICIDADE SINDICAL

O sindicato reclamante (SINDIPOL) aduz que o réu não conquistou seu registro junto ao Ministério do Trabalho e Emprego, e por esta razão estaria representando a categoria dos investigadores da Polícia Civil do Estado do Espírito Santo de forma ilegal, porquanto viola o princípio da unicidade sindical.

Isto porque entende que a representação dos servidores da categoria policial civil do Estado do Espírito Santo é realizada legalmente pelo reclamante, sendo que o desiderato segregacionista do reclamado (SINPOL) implica em afronta ao disposto no artigo 8º, II, da CF, dispositivo consubstanciador do princípio acima referido.

Neste aspecto, requer a declaração da inexistência legal do reclamado, cancelando o registro perante o Ministério do Trabalho e Emprego, acaso exista. Aduz que o reclamado possui registro de pessoa jurídica, o que demonstra que a sua criação não ocorreu de maneira lícita e correta.

Em sua fundamentação, o reclamante (SINDIPOL) cita decisão da Justiça Comum Estadual, situação em que litigava contra o SINDELPO (Sindicato dos Delegados de Polícia - ES), decidindo-se que os delegados de polícia são servidores policiais civis, sendo vedado a outro sindicato diverso do reclamante representar essa carreira na base territorial do Estado do Espírito Santo.

Em contrarrazões, argumenta o reclamado que o SINPOL é sindicato específico da categoria dos investigadores de polícia civil do Estado, carreira distinta das demais, inclusive em sua forma de ingresso e promoção.

Argumenta que o reclamante possuía plena ciência dos atos tendentes à dissociação da categoria dos investigadores de Polícia (e.g. assembléia geral, notificação ao cartório), porquanto procurou dar a maior amplitude, buscando o debate, a divulgação e a participação dos interessados. Este iter procedimental foi tomado em obediência aos preceitos insculpidos na CLT, mormente os artigos 515 e seguintes.

Por fim, alega que estando demonstrada a não representatividade do sindicato reclamante, não merece ser provido o seu recurso, devendo permanecer intacta a decisão de piso.

O juízo de piso indeferiu o pleito fundamentando-se na impossibilidade de proferir ato judicial acerca de situação futura não consolidada. Esta situação se explica pelo fato do sindicato réu ainda não ter representação sindical da categoria, porque ainda não conseguiu o registro sindical, condição necessária para que represente os integrantes da categoria profissional.

Pois bem.

O Princípio da Unicidade Sindical, previsto no inciso II, do art. 8º da Constituição Federal de 1988, determina que apenas um sindicato poderá representar cada categoria profissional ou econômica, em uma determinada base territorial. Entretanto, pode ocorrer o desmembramento, nas situações de categorias ecléticas, havendo a criação de outro sindicato representativo de categoria específica, sendo que tal redução pode se dar a partir de ato de vontade dos próprios integrantes da categoria que se dissociem para constituírem sindicato filho com representação mais delimitada, desde que respeitado o disposto no inciso II, art. 8º da CF/88.

O requerente transcreve acórdão proveniente da Justiça Comum, ocasião em que foi decidido que os delegados de polícia, peritos criminais, papiloscopistas, médicos legistas e investigadores compõe carreira integrante do quadro de servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo, sendo vedado a outro sindicato a representação desta categoria. Comungo de entendimento distinto, no sentido de que havendo categoria específica, é possível a criação de outro sindicato representativo.

Neste sentido, o douto Procurador do Trabalho se manifestou nos autos (fls. 942-943), admitindo que em tese “é possível o desmembramento ou cisão de uma organização sindical eclética, em outra, por vontade da categoria profissional específica – no presente caso os investigadores de polícia – deliberada em assembléia autônoma, sem interferência do Poder Público e de interesses políticos ou econômicos.”.

Nos termos do artigo 518 da CLT, disposição regedora do registro sindical, “o pedido de reconhecimento será dirigido ao Ministro do Trabalho instruído com exemplar ou cópia autenticada dos estatutos da associação”. O termo “reconhecimento” guarda resquícios do sistema autoritário regedor dos sindicatos, mas hodiernamente equivale ao registro no órgão competente, previsto no texto constitucional.

Entretanto, a necessidade de se submeter ao Poder Executivo o registro para que o sindicato exerça suas atividades legais, embora possa remontar a intromissão indevida da seara pública nas organizações tendentes à defesa dos interesses econômicos e sociais dos associados, foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, ressalvando que a lei pode vir a criar regime diverso. Merece ser transcrita a decisão, ipsis litteris:

“Liberdade e unicidade sindical e competência para o registro de entidades sindicais (CF, art. 8º, I e II): recepção em termos, da competência do Ministério do Trabalho, sem prejuízo da possibilidade de a lei vir a criar regime diverso. O que é inerente à nova concepção constitucional positiva de liberdade sindical é, não a inexistência de registro público – o qual é reclamado, no sistema brasileiro, para o aperfeiçoamento da constituição de toda e qualquer pessoa jurídica de direito privado –, mas, a teor do art. 8º, I, do Texto Fundamental, ‘que a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato’: o decisivo, para que se resguardem as liberdades constitucionais de associação civil ou de associação sindical, é, pois, que se trate efetivamente de simples registro – ato vinculado, subordinado apenas à verificação de pressupostos legais –, e não de autorização ou de reconhecimento discricionários. (...)” (MI 144, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 3-8-1992, Plenário, DJ de 28-5-1993).

Este órgão encarregado do registro deverá “zelar para que não haja mais de uma organização sindical do mesmo grau na mesma base territorial”, no momento em que for realizado o procedimento. Este controle se coaduna com a previsão constitucional em todos os seus aspectos, porquanto o órgão detentor do poder de verificação do registro, é também competente para verificar a presença dos requisitos pertinentes.

Haja vista que o processo administrativo de registro deve obedecer às regras dispostas na Lei n. 9.784/99, deverá haver a obediência ao contraditório, instrução e decisão, atentando-se para a legalidade da medida. Neste passo, “se a Constituição impõe a unicidade sindical, e se a análise do pedido de registro em conjunto com a impugnação revela que há ofensa ao princípio constitucional, não poderão as partes envolvidas, com o aval da administração pública, dispor de outro modo.”.

Nesta análise, será averiguado se existem outras entidades na mesma base territorial, conforme a Portaria n. 186/08 do MTE, in verbis:

Art. 4o Os pedidos de registro sindical ou de alteração estatutária serão analisados na CGRS, que verificará se os representados constituem categoria, nos termos da Lei, bem como a existência, no CNES, de outras entidades sindicais representantes da mesma categoria, na mesma base territorial da entidade requerente.

Após a verificação dos requisitos, será aberto prazo para impugnações, que serão analisadas pela própria CGRS, para ao final, após análise técnica da SRT, na forma do artigo 15 da Portaria mencionada, haver a publicação da concessão de registro sindical, finalizando o procedimento e concedendo o registro à entidade sindical.

Denota-se que, apenas após transcorrer todo o procedimento é que será existente a entidade sindical. O que deseja o reclamante é a declaração do Judiciário acerca de uma situação ainda não perfectibilizada.

Observe-se que, havendo violação da unicidade sindical, o próprio MTE, de acordo com o disposto na Portaria 186/08, analisando as qualidades técnicas do pedido feito pela entidade sindical, indeferirá o pleito que será arquivado pelo Secretário de Relações do Trabalho, após análise da CGRS, nos termos do artigo 10º.

Arquivando-se o registro, será possível que o sindicato irresignado pleiteie ao Judiciário a remoção do ilícito, em decorrência da inafastabilidade da jurisdição. Ressalte-se que apenas após constituída a situação de fato, haverá interesse do sindicato reclamante de buscar a satisfação de seu desiderato perante esta Especializada.

No caso em tela, o reclamante autor não faz prova da constituição do reclamado, ainda afirma que deverá ser cancelada a sua inscrição, “acaso exista”, o que demonstra que a situação fática não está estabelecida, inexistindo situação ilícita a ser declarada pelo Judiciário.

É possível o desmembramento de sindicato de categoria “eclética” ou “concentrada” para a formação de sindicato específico, desde que feita através de ato volitivo da fração da categoria que quer se desmembrar.

Analisando o caso concreto, a relação de Investigadores de Polícia aponta que os servidores não estão sendo representados de maneira uníssona, sendo que na maioria das vezes são associados aos dois sindicatos (fls. 901-937), situação que não pode se prolongar, em decorrência da unicidade sindical.

O Ministério Público do Trabalho, oficiou “pela realização de assembléia deliberativa da categoria, sob supervisão do juízo e do MPT (nomeando-se um perito de confiança do juízo), com a participação exclusiva da classe dos Investigadores de Polícia, para que decidam sobre a permanência ou desmembramento do SINDIPOL, facultando-se o voto aos profissionais citados(...)” (fl.943).

Ocorre que esta assembléia não gerou frutos, pois “as partes não chegaram a uma conclusão conjunta sobre a viabilidade de convocação de assembléia envolvendo apenas os investigadores de polícia a fim de deliberarem sobre a conveniência ou não do desmembramento da categoria do Sindipol (...)”(fl. 969).

Os sindicatos devem chegar a um consenso pela via administrativa, adotando o procedimento previsto no estatuto próprio e na lei, aferindo-se a vontade de seus constituintes. Não há como se declarar a inexistência do sindicato reclamado, uma vez que não foi completamente constituído.

Por outro lado, a representação dos sindicalizados pelo sindicato reclamado é legitima, mesmo diante da precariedade de sua constituição. Isto decorre do grande número de servidores associados a ambos os sindicatos (mais de 90% dos nomes relacionados aparecem como filiados em ambos – fl. 863) além da existência de categoria eclética e diferenciada.

Saliente-se que o sindicato reclamado publicou edital de convocação de assembléia geral extraordinária no diário oficial, para discutir o desmembramento e ratificar o ato de criação da entidade (fl. 239), persistindo a discordância acerca do desmembramento. O sindicato reclamante busca através de medidas judiciais obstar que o ato de segregação ocorra, contrariando a legislação pertinente (fl. 78).

Isto porque, existindo categoria eclética, é possível a criação de um sindicato que melhor represente a classe dos investigadores, devendo ser trilhado caminho legal e administrativo, sem que haja óbices a sua constituição.

Neste sentido, é possível que haja legitimidade do sindicato reclamado para defender os Investigadores da Polícia Civil, mesmo que envolto em situação precária. A representação deve perdurar até que se resolva administrativamente em assembléia, ou até o registro efetuado no MTE, ocasião em que o órgão estatal procederá à análise de legalidade do ato. Colhe-se precedente bastante elucidativo, in verbis:

Este Juiz, pelo menos por enquanto, se convenceu que o Sindicato tem legitimidade para representar a categoria, apesar de admitir uma personalidade sindical precária, ante a falta de registro atual no Ministério do Trabalho. (...) "Poderemos comparar a questão da atuação do Sindicato na defesa da Categoria a uma atuação de advogado sem procuração no processo trabalhista, mas que comparece as audiências. (...). Com efeito, o questionamento sobre a ausência de cadastro no Ministério do Trabalho no momento atual da vida do Sindicato não induz dizer de sua falta de representatividade ou personalidade sindical. Pode-se admitir uma irregularidade administrativa, no entanto, perfeitamente sanável, o que já está sendo providenciada pelo Sindicato, conforme os documentos juntados ao processo fazem crer. ( RR - 24700-82.2003.5.19.0001 , Relator Ministro: Roberto Pessoa, Data de Julgamento: 02/06/2010, 2ª Turma, Data de Publicação: 18/06/2010).

Outro precedente, indicando a possibilidade da representatividade sindical, mesmo havendo a falta de registro no órgão competente. Observe-se que o precedente indica a representação ad processum, em geral revestida de grande formalidade, que no caso foi afastada. Neste sentido:

Apesar da mantença do princípio da unicidade sindical (art. 8º, inciso II), a atual Carta Política veda ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical e nega qualquer exigência de autorização por parte do Estado para a fundação de ente sindical. O registro no órgão competente é mera ressalva para assegurar propósito diverso: o princípio da unicidade sindical. Seu conteúdo é meramente administrativo, por isso regulado por meio de instruções normativas ministeriais (em regra, MTE). O procedimento de registro, porque longo e, em regra, desprovido do contraditório, não pode afetar a emergência e afirmação da representatividade sindical, tão acalentada pela ordem constitucional. A imprescindibilidade do registro para conferir legitimidade ad processum ao ente sindical, como preconiza a Orientação Jurisprudencial nº 15, do SDC, do C.TST, não tangencia, e por isso não afeta, a questão nuclear em discussão.(AIRR - 192340-44.2001.5.01.0046 , Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 12/05/2010, 3ª Turma, Data de Publicação: 28/05/2010).

Devem as partes percorrerem o caminho próprio da cisão, sendo esta a vontade dos sindicalizados, a ser constatada em assembléia. Enquanto não formalizada, não é irregular a representação dos sindicatos pelo reclamado. Também não é possível a declaração de inexistência do reclamado, visto que não foi formalmente constituído.

Pelo exposto, nego provimento ao pedido.

2.2.2 DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Instrução Normativa nº 27, já pacificou o entendimento de que, "exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários são devidos pela mera sucumbência" (art. 5º).

Desse modo, reputa-se cabível a aplicação do princípio da sucumbência insculpido no art. 20 do CPC, não havendo falar em incidência do art. 14 da Lei nº 5.584/1970 na hipótese vertente.

Nega-se provimento.

CONCLUSÃO

A C O R D A M os Magistrados da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.

Vitória - ES, 21 de setembro de 2010.

DESEMBARGADOR JOSÉ LUIZ SERAFINI

Relator

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