O
BRASIL DA CHIBATA
Roga-se às altas autoridades brasileiras, mais
uma vez, a gentileza de responderem às perguntas apresentadas a seguir. É
possível que o público leitor gostasse de fazê-las diretamente, mas não pode;
cede-se a ele, a título de colaboração, o espaço desta coluna.
Poderia a presidente Dilma
Rousseff ter a bondade de explicar, com um mínimo de clareza, o que é “fazer o
diabo”? Dilma disse há pouco que nas campanhas eleitorais é permitido fazer
exatamente isso, “o diabo”, mas não deu nenhuma informação sobre os atos
concretos que os candidatos, a começar por ela própria, estão autorizados a
cometer.
O que vale?
O que não vale?
Coisa do bem não deve ser.
Nunca se ouviu dizer, por exemplo, que Madre Teresa de Calcutá fizesse “o
diabo” em favor de suas obras de caridade. Pelo entendimento comum, fazer o
diabo significa estar disposto a qualquer coisa, por pior que seja, para
conseguir algo.
É isso?
♦
O presidente do Supremo
Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa, acha que tem, sim ou não, o direito
de chamar um cidadão de “palhaço” e mandá-lo “chafurdar na lama”?
Coragem, ministro: sim ou
não? Dizer essas coisas, em público, não é crime de injúria? Ou presidentes do
STF estão desobrigados de obedecer ao artigo 140 do Código Penal Brasileiro?
♦
Colocar um fotógrafo do
Instituto Lula, entidade privada, a bordo do avião presidencial que levou Dilma
Rousseff (e o próprio Lula) aos funerais do coronel Hugo Chávez na Venezuela, e
apresentar o rapaz como “intérprete” da comitiva, não é um delito de falsificação?
Intérprete ele não é; como
acaba de informar em VEJA o redator-chefe Lauro Jardim, sua ocupação é tirar
fotos para a coleção pessoal do ex-presidente.
Há outras dúvidas.
Será que Dilma não entende
nada de espanhol? Não há nenhum intérprete de verdade entre mais de 1 milhão de
funcionários do governo federal?
Privatizar assentos a
bordo do Aerodilma, para o Instituto Lula economizar um dinheirinho, já é um
ato permitido pela doutrina de “fazer o diabo”?
♦
O que o Dr. Gilberto
Carvalho, que tem no seu cartão de visita o título de “ministro-chefe da
Secretaria-Geral da Presidência da República”, quer dizer quando afirma, como
fez há pouco, que “o bicho vai pegar”?
Que bicho é esse? Pertence
ao Patrimônio da União? Ele vai pegar quem? Já foi solto, por exemplo, contra a
blogueira cubana Yoani Sánchez, que bandos de delinquentes a serviço do governo
atacaram em sua recente passagem pelo Brasil?
Tem cabimento o
ministro-chefe (a propósito: haveria algum ministro que não é chefe?) usar em
público linguagem de bandido?
Por que será que tanta
história esquisita (a de Yoani é apenas a última de uma longa série) começa,
passa ou termina na sala do dr. Gilberto?
♦
Quais os nomes da “meia
dúzia de famílias poderosas” que, segundo o presidente do PT, deputado Rui
Falcão, decidem “o que o nosso povo pode ler, ouvir e assistir”?
Daria para o deputado, por
cortesia, informar de onde ele tirou este número, “meia dúzia”, num país que tem
no momento quase 10 000 estações de rádio, mais de 500 emissoras de televisão,
cerca de 5 500 revistas e 2 700 jornais?
Estaria ele reprovando o
fato de que há veículos com audiência e circulação muito maiores que os demais,
porque o público, por sua livre e espontânea vontade, prefere ver, ouvir e ler
mais uns do que outros?
Que culpa têm os veículos
que fazem mais sucesso, ou que ilegalidade cometem por serem os preferidos ela
maioria do público?
♦
Por que o governador do
Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, não guardou um tostão dos bilhões de reais que
seu estado recebeu em royalties de petróleo nos últimos anos?
Desde 2007, quando assumiu
o governo, até 2012, mais de 130 bilhões de reais foram arrecadados das
empresas exploradoras de petróleo, e a parte do leão dessa montanha de dinheiro
ficou com o Rio e seus municípios.
Agora, com as perdas
trazidas pela mudança na lei dos royalties, o governador se vinga atirando nos
cidadãos do seu próprio Estado: suspendeu pagamentos a fornecedores, ameaça
criar mais impostos, fala em corte de serviços. [O governador obteve do Supremo
Tribunal Federal liminar em mandado de segurança que suspende, temporariamente,
a vigência da nova lei dos royalties.]
Se não guardou nada do que
recebeu, o que fez de útil com o dinheiro gasto?
♦
O que há de comum entre
essa gente toda é a convicção de que mandam — e quem manda não precisa explicar
nada a quem está embaixo.
Falam em banda larga e
pré-sal, mas continuam agindo como se vivessem no Brasil dos engenhos, dos
capitães do mato e da chibata.
São os senhores do “Brasil
para todos”.
Texto
de J. R. Guzzo para a revista Veja.
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