domingo, 17 de março de 2013

TERRA DE NINGUÉM




Espírito Santo: um estado violento

Pesquisa revela que é essa a visão de 80% dos capixabas, diante da ocorrência de crimes

As marcas do sangue ainda estão lá, no Beco Estrela, no Morro São Benedito, em Vitória, onde no dia 8 deste mês a diarista Fabrícia Vieira Pereira Rocha, 21 anos, foi morta com um tiro na cabeça, durante uma briga entre gangues de traficantes de drogas. Fabrícia seguia para o trabalho, em Jardim da Penha, quando foi alvejada. Morreu “de graça” – segundo sua família, ela não tinha envolvimento com o tráfico.

Sua mãe, a também empregada doméstica Maria Vieira Pereira, 49, diariamente, ao passar pelo mesmo beco, indo e vindo do trabalho, chora lembrando da sua garota. É ela quem agora cuida de dois dos três filhos de Fabrícia, com idades entre 2 e 7 anos.

Por triste destino, as crianças também perderam o pai assassinado há cinco anos no mesmo bairro. “Estava no lugar errado, na hora errada”, diz a mulher.

Insegurança

A tragédia vivida pela família da mineira Maria Pereira, que veio para Vitória há 12 anos em busca de melhores dias, é apenas uma entre muitas no cenário da insegurança registrada no Espírito Santo. E basta conhecer as estatísticas oficiais para se ter noção dessa realidade assustadora: somente no ano passado, 1.660 pessoas foram assassinadas – quatro por dia.

Mais de 25 mil roubos e furtos foram registrados em estabelecimentos comerciais, residências e vias públicas no mesmo período. E são também esses números que justificam o fato de oito em cada dez capixabas considerarem o Espírito Santo um Estado violento, e 40,8%  apontarem-no  como o mais violento no país.

Pesquisa

É o que revela uma pesquisa realizada para A GAZETA pelo Instituto Futura,  com 800 moradores de 23 municípios capixabas. Do total de entrevistados, 39% apontam o tráfico de drogas como o crime que mais afeta as suas comunidades, seguido de assalto (23,9%), assassinato (20%) e roubo (14,5%).

Para esses cidadãos, o uso de álcool e outras drogas ilícitas destaca-se, com 62,3%, como causa da violência que assola o Estado; além do desemprego (11,4%), da educação deficiente (7,4%), da desigualdade social (4,8%) e da falta de estrutura familiar. Sem falar na também falta de policiamento (2,4%).

Neste ano, apenas entre janeiro e o dia 10 deste mês, 315 pessoas foram assassinadas no Espírito Santo, onde o próprio secretário da Segurança Pública, André Garcia, admite: mesmo que a taxa de homicídios por 100 mil habitantes tenha baixado de 58,3, em 2009, para 46,4, em 2012 – a menor nos últimos 17 anos –, nada há para comemorar.

Garcia garante que, nos últimos 30 anos, o Espírito Santo sempre esteve acima da média nacional em homicídios. E ressalta que, de janeiro a março deste ano, comparado ao mesmo período de 2012, houve uma queda de 9%.

Mas ele sabe que, para o cidadão, se antes a média era de cinco mortes por dia, e hoje é de quatro, não faz diferença. Quem perde um filho, um irmão, um pai assassinado sabe o que é isso. “Zerar a taxa é impossível. Hoje, nosso objetivo é chegar a 26 por 100 mil habitantes, que é a taxa nacional. Manter a tendência de queda é o desafio”, diz Garcia.

Apenas dez dos 78 municípios do Estado respondem por 68% dos homicídios no interior – nove deles no Norte. Garcia ressalta também que mais de 50% dos assassinatos são registrados nos 30 aglomerados de população contemplados pelo Programa Estado Presente, que não envolve apenas ações de polícia.

Efetivo

Polícia, sozinha, não reduz violência, mas é certo que a falta de policiais – hoje, um déficit de cerca de 2 mil – no quadro do Estado pesa. Nos últimos dois anos, 1.800 profissionais foram absorvidos. Hoje, o governo tem concursos abertos para 1.100 cargos na Polícia Militar e para 130 na Polícia Civil. Promete abrir mais para completar seu quadro até 2014.

Mas, diante da pressão exercida pelo crime,  vê-se  obrigado a agir. Decidiu, por exemplo, que os 700 sargentos que estavam num curso voltem para as ruas. E quer contratar designados temporários para o setor. Garcia diz que já há mais 360 policiais circulando a pé na Grande Vitória, por dia.

Ele sabe que a presença da polícia garante à população mais tranquilidade – e isso também é revelado na pesquisa da Futura, já que para 15,1% dos entrevistados a contratação de policiais é uma das medidas a serem aplicadas para conter a violência. Em primeiro lugar (20,9%), indicam investimento em educação.

Para frear os homicídios, o secretário destaca a estratégia que envolve ações integradas das polícias Civil e Militar, com base no Mapa do Crime – estatísticas das ocorrências por região. E diz que são realizadas operações para localização e prisão dos chamados assassinos contumazes. Reuniões conjuntas da polícia, Justiça, Ministério Público e órgãos da área social, diz ele, têm contribuído para baixar o índice de homicídios.

Sem divulgar números, o governo prepara-se para licitar a compra de mais câmeras de videomonitoramento a serem cedidas a prefeituras da Região Metropolitana e do interior, parceiras importantes para a redução da incidência de homicídios e crimes contra o patrimônio.

Relação direta

Esses são crimes com os quais o tráfico de drogas mantém  uma relação fortíssima, conforme admite o delegado especializado em tóxicos e entorpecentes, Diego Yamashita, que contabiliza mais de uma tonelada e meia de maconha, cocaína e crack apreendidos por sua delegacia, em 2012. Um número bem maior do que o de 2011, que foi de 817kg. Certo é que,  quando o cerco ao tráfico aperta, criminosos tendem a migrar para a prática de furtos e roubos.

O alvo principal da polícia tem sido os maiores fornecedores – que comercializam acima de 30kg. E o que Yamashita constata  é que esse número tem crescido. “Em 2007, eram só cinco ou seis os conhecidos. Parte morreu, outra foi presa”, diz ele. Só em 2012, a delegacia indiciou 480 pessoas por tráfico, 67,24% a mais do que em 2011.

Pobres e ricos

O tráfico é mais intenso nos bairros mais pobres, mas a proximidade desses locais com áreas de classe média e alta favorece o comércio para consumidores de melhor padrão.

O negócio, altamente lucrativo, só cresce. “Um quilo de crack comprado por cerca de R$ 5 mil no Paraguai  pode ser vendido aqui por R$ 13 mil. A maconha tem um retorno ainda maior: salta de R$ 50 ou R$ 100  para R$ 1 mil o quilo”, diz o delegado.

Não se pode esquecer do componente social e de saúde que o problema envolve. Não por acaso o governo já anunciou que vai comprar vagas em comunidades terapêuticas para internar dependentes químicos.

Mas Yamashita lembra que o afrouxamento da lei em relação à repressão de quem consome fortalece o tráfico. “Às vezes, penso: do jeito que está, será que chegará um dia em que será tudo liberado?”, pergunta-se.

Dona Maria, que perdeu a filha no São Benedito, não tem essa resposta, mas um desejo: “Peço a Deus para manter meus filhos e netos livres das drogas”.

Reportagem de Claudia Feliz em A Gazeta.


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