Entregar
a segurança às UPPs é subestimar o poder dos traficantes
Migração de criminosos
para outras áreas do Rio e resistência de traficantes em grandes favelas, como
a Rocinha, mostram que política de segurança não pode se limitar às unidades de
polícia inventadas pelo governo do Rio
A
mudança de cenário nas favelas da zona sul do Rio e algumas conquistas
históricas – como a retomada do Complexo do Alemão e a entrada da polícia na
Rocinha – colocaram as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) do governo do
estado do Rio na linha de frente de tudo o que pode ter relação com segurança
pública. O grande mérito do projeto é, ainda que em sua fase inicial, a criação
de um caminho para que o poder público tenha, nas favelas, o mesmo trânsito que
tem ‘no asfalto’. O sucesso de público das primeiras UPPs, estimulado pela
propaganda oficial, criou uma distorção: particularmente na zona sul do Rio
esses postos avançados da Polícia Militar nos morros passaram a ser vistos como
a solução dos problemas do estado com a criminalidade. E pior: as autoridades
responsáveis pela gestão da segurança passaram a dar prioridade desproporcional
ao programa.
Nas
últimas semanas, o projeto das UPPs e as áreas que estão de fora do programa
deram exemplos de que a segurança pública não pode depender da ocupação de
favelas. Na Rocinha, no coração da zona sul, houve 10 assassinatos em dois
meses, e os indícios são de que o tráfico de drogas, que certamente persiste no
local, não quer entregar o território tão facilmente. Em Niterói, cidade
vizinha ao Rio, uma onda de assaltos e tiroteios assusta a população. No último
fim de semana, o fisioterapeuta Fabiano de Almeida, de 35 anos, estava com sua
namorada em uma moto quando foi baleado na cabeça. O veículo foi roubado e
Fabiano corre o risco de ficar cego. No dia 30 de março, o médico Carlos Vieira
de Carvalho Sobrinho, de 65 anos, foi morto com um tiro no peito na porta de
casa, no bairro de Icaraí, durante um assalto no qual os criminosos queriam
levar o carro. Em 1º de abril, Jorge Luiz Carvalho, de 24 anos, foi baleado no
pescoço dentro de seu carro.
Não
são poucos os que veem nesse aumento repentino uma migração da criminalidade.
Trocando em miúdos: os bandidos que foram expulsos pelas UPPs estariam se
encastelando do outro lado da Baía de Guanabara, onde o policiamento, já aquém
do necessário, não teve reforço – a exceção foram 100 homens deslocados após
duas mortes em roubos de veículos e muita reclamação da população.
As
conquistas das UPPs são inegáveis. Mas é chegada a hora de um ajuste. Desde 10
de dezembro de 2008, quando foi criada a primeira dessas unidades, no Morro
Dona Marta, praticamente 100% dos novos policiais formados no estado foram
enviados para unidades em favelas. “Mesmo nas áreas em que há UPPs, essa carência
de policiais se manifesta. É comum ouvir dos comandantes de Copacabana,
Botafogo, Tijuca (bairros atendidos pelas unidades) que o seu policiamento para
áreas do bairro onde não há UPP está ficando estrangulado. Já existe o problema
histórico de efetivo. Imagine em outros municípios, regiões?”, diz o professor
de ciências sociais João Trajano, da UERJ.
No
mesmo período de instalação das UPPs, enquanto os índices de criminalidade eram
reduzidos na capital, cidades como Niterói e municípios do interior passaram a
enfrentar problemas com aumento da violência. Para Trajano, não adianta
restringir as unidades a um cinturão estratégico na cidade - como é o caso do
entorno do Maracanã. É preciso que se pense em alternativas para outras áreas.
“Não é viável um efetivo policial que permita que cada comunidade com tráfico
ou milícia tenha UPP. Tem que pensar mecanismos de saída das UPPs sem que isso
implique na volta do crime. É necessário refletir de forma sistemática,
cuidadosa, levando em conta eventuais migrações”, afirma Trajano.
Um
caminho possível, segundo Trajano, é investir em programas de caráter
fundiário, controle da ocupação do espaço, programas de natureza social e
cultural. A onda de violência em Niterói mostra a necessidade de ajustes na
política de segurança pública. A começar pela própria UPP. “Não existe um
projeto formalizado em torno das UPPs, com metas claras, organograma. Por
enquanto, identifico mais com uma experiência que, apesar das virtudes, tem que
se consolidar como um programa”, explica.
A
onda de crimes em Niterói não é novidade para quem acompanha a segurança
pública de perto. Para Trajano, a migração é um cenário plausível do ponto de
vista lógico e da literatura da criminalidade. “Em São Paulo, quando houve
redução de crimes em Diadema através de um programa de prevenção, existiu uma
migração para municípios vizinhos. Pesquisas internacionais também apontam para
essa possibilidade”, conta.
Mesmo
locais pacificados têm encontrado dificuldades para vingar a política de
implantação de UPPs. O secretário de segurança do Rio, José Mariano Beltrame,
convocou uma coletiva na semana passada e explicou que houve problemas na de
todas as unidades. Esse é um fato a considerar, levando em conta que no morro
do Fallet-Fogueteiro, por exemplo, os oficiais que comandavam a unidade foram
afastados depois da descoberta de que recebiam uma mesada dos traficantes. Mas
em nenhuma favela a coisa se deu como ocorre agora na Rocinha. No domingo,
Mauriciano Morais de Souza, de 22 anos, matou Manoel Messias, de 30 anos, na
favela com uma caixa de som. A Polícia trabalha com a possibilidade de crime
passional. Mas, segundo a principal linha de investigação, a maioria dos
homicídios está relacionada à disputa entre traficantes pelo domínio da venda
de droga na Rocinha. Na última quarta-feira, o cabo Rodrigo Alves Cavalcante,
de 33 anos, lotado no Batalhão de Choque (BPChoque) foi baleado e morreu
enquanto patrulhava a favela.
VEJA
revelou a existência de um documento elaborado pela coordenadoria de
inteligência da Polícia Civil que investiga o pagamento de subornos da ordem de
80 mil reais a policiais que patrulham a Rocinha. O objetivo seria a garantia
de que os PMs não fiscalizariam as ruelas onde o tráfico atua na favela. A
favela é uma área tradicionalmente conturbada, e episódios como os dos últimos
dois meses não devem ser sufocados em um futuro tão próximo. “Sempre que há
queda de traficante ou prisão de líder abre-se uma disputa entre os criminosos.
A Rocinha é um lugar estratégico de varejo da droga. Não será processo muito
rápido de erradicar focos armados. É uma favela muito grande e ecologicamente
complicada. Ainda haverá um tempo de sofrimento e conflitos”, explica Trajano.
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